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Sempre admirei como, através de histórias simples, Milan Kundera consegue dizer-nos tanto… e como, partindo de uma abordagem aparentemente intelectual consegue criar narrativas tão essencialmente comoventes.
Em A Ignorância espreitamos n a memórian e a n nostalgian especificamente no conceito da migração; especificamente mas não exclusivamente, já que cabe ao leitor interpretar, contrapor, extrapolar e contextualizar.
No centro da trama encontramos um homem e uma mulher, emigrados há 20 anos. No país que os recebeu foram muitas vezes vistos com antipatia, as suas identidades foram-lhes roubadas para serem estereotipados, classificados, etiquetados e assim julgados. No país a que regressam, vêm novamente a sua identidade ser roubada, o que viveram em 20 anos ser deliberadamente ignorado, recriminados por ter abandonado o país em troca de uma vida mais fácil.
Regressam porque se deixaram tentar pela nostalgia, mas o que desejam não é possível: não é possível regressar aos mesmos sítios e encontrá-los exactamente iguais, encontrar os que deixámos ou que nos deixaram exactamente na mesma, experimentar os mesmos sentimentos, entrar nos mesmos estados de espírito, reviver as mesmas situações. As memórias harmonizam-se, mas nunca são completamente iguais; as nossas memórias para uma mesma coisa, uma mesma experiência, nunca são exactamente iguais (por mais próximas que nos sejam as pessoas em comparação).
Além disso, as recordações, se não forem recorrentemente evocadas, vão embora. Perdem-se. Uma memória que tenhamos em especial estima, relacionada com outra pessoa, pode já nem fazer parte das suas recordações.
Gostei imenso deste livro! Falta-me apenas dizer - porque tem mesmo que ser dito - que é a prosa de Kundera que transforma toda esta associação de ideias em algo verdadeiramente especial.
Há quem seja notável na partilha de noções, há quem tenha o talento de jogar com palavras de forma a transformar simples frases em autênticas façanhas - Milan Kundera é exímio em ambas.
Em A Ignorância espreitamos n a memórian e a n nostalgian especificamente no conceito da migração; especificamente mas não exclusivamente, já que cabe ao leitor interpretar, contrapor, extrapolar e contextualizar.
No centro da trama encontramos um homem e uma mulher, emigrados há 20 anos. No país que os recebeu foram muitas vezes vistos com antipatia, as suas identidades foram-lhes roubadas para serem estereotipados, classificados, etiquetados e assim julgados. No país a que regressam, vêm novamente a sua identidade ser roubada, o que viveram em 20 anos ser deliberadamente ignorado, recriminados por ter abandonado o país em troca de uma vida mais fácil.
«O mesmo cineasta do subconsciente que de dia lhe enviava pedaços da paisagem natal como imagens de felicidade, organizava-lhe, de noite, regressos aterradores ao seu país. O dia era iluminado pela beleza do país abandonado, a noite pelo horror de lá voltar. O dia mostrava-lhe o paraíso que perdera, a noite o inferno de onde fugira.» - p. 16
Regressam porque se deixaram tentar pela nostalgia, mas o que desejam não é possível: não é possível regressar aos mesmos sítios e encontrá-los exactamente iguais, encontrar os que deixámos ou que nos deixaram exactamente na mesma, experimentar os mesmos sentimentos, entrar nos mesmos estados de espírito, reviver as mesmas situações. As memórias harmonizam-se, mas nunca são completamente iguais; as nossas memórias para uma mesma coisa, uma mesma experiência, nunca são exactamente iguais (por mais próximas que nos sejam as pessoas em comparação).
Além disso, as recordações, se não forem recorrentemente evocadas, vão embora. Perdem-se. Uma memória que tenhamos em especial estima, relacionada com outra pessoa, pode já nem fazer parte das suas recordações.
«a nostalgia não intensifica a actividade de memória, não desperta recordações, basta-se a si própria, à sua própria emoção, absorta por completo como está no seu próprio sofrimento.»
Gostei imenso deste livro! Falta-me apenas dizer - porque tem mesmo que ser dito - que é a prosa de Kundera que transforma toda esta associação de ideias em algo verdadeiramente especial.
Há quem seja notável na partilha de noções, há quem tenha o talento de jogar com palavras de forma a transformar simples frases em autênticas façanhas - Milan Kundera é exímio em ambas.