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Há, na pobreza, muita «riqueza». Livro após livro, Charles Dickens tenta mostrar-nos isso mesmo, evidenciando em simultâneo, e de forma tão sua, que podemos encontrar igualmente uma boa dose de «pobreza» na riqueza.
Em «Hard Times», Dickens traz-nos mais um excelente retrato de época, desta vez, dando ênfase ao desenvolvimento industrial e à pressão económica que este gerou. Como é habitual, guarneceu o livro com personagens cómicas/dramáticas, humildes/afogadas em «snobismo», sérias/trapaceiras, altruístas/egoístas, inocentes/bem sabidas - contrastes entre si mas todas elas excecionalmente bem caracterizadas, todas relevantes para a narrativa e todas únicas.
Através delas, Dickens mostra-nos o valor da honestidade, o possível antagonismo entre o que queremos e o que precisamos e como a perseguição dos nossos desejos nos pode levar a perder o que efetivamente nos faz falta; mas também como não nos podemos deixar guiar apenas pelos factos, pela razão, ignorando as ânsias do coração. Como se fossem marionetas, usa habilmente as suas personagens para transmitir pontos de vista; chama-nos na altura exacta para presenciarmos uma cena, encaminhando-nos para a próxima, e a próxima, pacientemente, de acordo com o seu objectivo, e depois, quando satisfeito, indica que nos afastemos para que estas personagens possam seguir com as suas vidas.
Acreditando na completa racionalização do ser humano, Thomas Gradgrind personifica o espírito da revolução industrial ao considerar as pessoas como máquinas; tudo deveria ter como base apenas os «factos», lógicos e verdadeiros. Assim, Gradgring acaba por educar os seus filhos de uma forma que mais tarde só os poderia levar ao fracasso pessoal, incapazes de reconhecer e expressar emoções, sem capacidae imaginativa. Louisa, a filha, não exibe sequer traços da feminilidade victoriana. Já Bounderby representa as oportunidades advindas das alterações sociais proporcionadas pela industrialização e capitalismo, subindo na vida a pulso, pelo seu próprio esforço, isto claro, se ele não fosse uma fraude! A eles juntam-se Mrs. Sparsit, uma aristocrata em declínio e Stephen um trabalhador que, apesar de todas as dificuldades, mantém a sua honestidade e integridade.
Aprecio muito o cuidado que Dickens teve com cada frase, obtendo do leitor a reacção e efeito desejados, dando-lhe crédito ao não ser demasiado óbvio. «Diz-nos» uma coisa mas deixa-nos entrever outra completamente diferente, permitindo-nos desenvolver opiniões próprias, antecipar acontecimentos e, assim, criar afeições.
O seu estilo muito próprio, reconhecível, permite que nos apeguemos não a um livro específico mas a toda a obra do autor, e até a ele próprio. Não conseguindo contrariar a minha imaginação, conjecturo-o sempre sentado a uma mesa de madeira, debruçado com afinco sobre uma série de folhas; as faces marcadas pelo tempo, o mesmo que lhe trouxe a preciosa sabedoria que anseia por partilhar connosco. Não consigo, de igual forma, contrariar o inexplicável carinho que sinto por este escritor.
Acredito que podemos avaliar a qualidade de um livro, em relação ao seu conteúdo, pelo tempo que poderíamos dissecá-lo em conversa - e, neste caso, a resposta é: muito tempo. Cada «E aquela parte em que…» nos levaria a uma nova discussão, também ela cheia de ramificações.
E é por isso que não me demoro mais: se tiverem a oportunidade de ler Dickens, por favor, façam-no.
Em «Hard Times», Dickens traz-nos mais um excelente retrato de época, desta vez, dando ênfase ao desenvolvimento industrial e à pressão económica que este gerou. Como é habitual, guarneceu o livro com personagens cómicas/dramáticas, humildes/afogadas em «snobismo», sérias/trapaceiras, altruístas/egoístas, inocentes/bem sabidas - contrastes entre si mas todas elas excecionalmente bem caracterizadas, todas relevantes para a narrativa e todas únicas.
Através delas, Dickens mostra-nos o valor da honestidade, o possível antagonismo entre o que queremos e o que precisamos e como a perseguição dos nossos desejos nos pode levar a perder o que efetivamente nos faz falta; mas também como não nos podemos deixar guiar apenas pelos factos, pela razão, ignorando as ânsias do coração. Como se fossem marionetas, usa habilmente as suas personagens para transmitir pontos de vista; chama-nos na altura exacta para presenciarmos uma cena, encaminhando-nos para a próxima, e a próxima, pacientemente, de acordo com o seu objectivo, e depois, quando satisfeito, indica que nos afastemos para que estas personagens possam seguir com as suas vidas.
Acreditando na completa racionalização do ser humano, Thomas Gradgrind personifica o espírito da revolução industrial ao considerar as pessoas como máquinas; tudo deveria ter como base apenas os «factos», lógicos e verdadeiros. Assim, Gradgring acaba por educar os seus filhos de uma forma que mais tarde só os poderia levar ao fracasso pessoal, incapazes de reconhecer e expressar emoções, sem capacidae imaginativa. Louisa, a filha, não exibe sequer traços da feminilidade victoriana. Já Bounderby representa as oportunidades advindas das alterações sociais proporcionadas pela industrialização e capitalismo, subindo na vida a pulso, pelo seu próprio esforço, isto claro, se ele não fosse uma fraude! A eles juntam-se Mrs. Sparsit, uma aristocrata em declínio e Stephen um trabalhador que, apesar de todas as dificuldades, mantém a sua honestidade e integridade.
Aprecio muito o cuidado que Dickens teve com cada frase, obtendo do leitor a reacção e efeito desejados, dando-lhe crédito ao não ser demasiado óbvio. «Diz-nos» uma coisa mas deixa-nos entrever outra completamente diferente, permitindo-nos desenvolver opiniões próprias, antecipar acontecimentos e, assim, criar afeições.
O seu estilo muito próprio, reconhecível, permite que nos apeguemos não a um livro específico mas a toda a obra do autor, e até a ele próprio. Não conseguindo contrariar a minha imaginação, conjecturo-o sempre sentado a uma mesa de madeira, debruçado com afinco sobre uma série de folhas; as faces marcadas pelo tempo, o mesmo que lhe trouxe a preciosa sabedoria que anseia por partilhar connosco. Não consigo, de igual forma, contrariar o inexplicável carinho que sinto por este escritor.
Acredito que podemos avaliar a qualidade de um livro, em relação ao seu conteúdo, pelo tempo que poderíamos dissecá-lo em conversa - e, neste caso, a resposta é: muito tempo. Cada «E aquela parte em que…» nos levaria a uma nova discussão, também ela cheia de ramificações.
E é por isso que não me demoro mais: se tiverem a oportunidade de ler Dickens, por favor, façam-no.